"A vida é uma farsa que todos devem representar. A nossa pálida razão esconde-nos o infinito..." (Rimbaud)
"Vida é o drama criativo da existência." (Arthur da Távola)
“A vida, afinal, talvez seja uma encenação do desespero”. (Alberto Raposo Pidwell Tavares)




terça-feira, 1 de junho de 2010

ಇಎಇಎಇಎ "E hoje em dia, como é que se diz: Eu te amo?!" ಇಎಇಎಇಎ


E aqui estou eu de novo, questionando a inexorável decadência dos meus velhos valores e conceitos inefavelmente arcaicos, retrógrados, ultrapassados e insanos (tanto quanto ou ainda mais que eu)... tentando encontrar respostas capazes de me fazer compreender o ininteligível, o inexplicável, o intangível... Será que estou ficando velha?!
Que me perdoem os "grandes filósofos contemporâneos" e os "sofisticados poetas românticos da modernidade", mas... eu tenho que perguntar: o que diabos, afinal, é o AMOR?!
"Quem inventou o amor, me explica, por favor"! "E hoje em dia, como é que se diz: 'Eu te amo'!"?! Como é que as pessoas conseguem se apaixonar e se desapaixonar com tamanha facilidade, a ponto de declararem o seu "amor eterno" cada dia a alguém diferente?! Como é possível que o grande amor da sua vida, aquela pessoa que você diz ser tudo com o que sempre sonhou pode, de uma hora pra outra, se tornar tão desprezível e indiferente pra você, como se jamais tivesse feito parte da sua história?!
Eu sinceramente já não consigo entender esse "fenômeno" epidêmico e mutacional que acomete o mundo hoje em dia e é tachado pelo sutil codinome de "amor"... AMOR?!
Não é que eu queira uma explicação racional e lógica, nem um teorema metafísico ou um compêndio de leis orgânicas; um tratado de fenômenos físicos, uma fórmula química ou uma equação matemática com resultado exato; nem mesmo um conceito metalinguístico morfo-etimológico, sequer uma teoria epistemológica, tão pouco uma definição semântica perfeita. Não é nada disso! Muito pelo contrário, o que eu falo é justamente do irracional e desmedido sentimento que de tão sui generis jamais encontrou definição plausível nem mesmo na retórica dos mais nobres poetas... eu falo mesmo é do incontrolável, do indescritível, do imensurável... o que eu quero mesmo entender é onde foram parar as velhas e boas sensações de borboletas no estômago, mãos geladas e pernas bambas... O que foi feito do brilho nos olhos, do arrepio na espinha e do nó na garganta que embaralhavam a fala e calavam em nós esse "eu te amo" que hoje sai tão fácil?! E se o amor flui assim com tanta rapidez, por que então será que os relacionamentos duram cada vez menos?! Por que as pessoas estão cada vez mais frias e egoístas se têm tanta habilidade pra amar?! É impressão minha, ou o amor tornou-se mesmo tão fútil, vulgar e banalizado que dispensa arroubos poéticos e pieguices românticas?! Parece tão fácil dizer "eu te amo" hoje! Parece tão inexpressivo e vazio quanto um desses jargões usados de praxe em determinadas situações cotidianas, ditos aleatoriamente sem qualquer juízo de valor... tão automático e mecânico quanto dizer "alô" ao telefone!
Será possível que o advento da tecnologia chegou também ao coração humano e o modernizou a ponto de tornar tão simples e natural amar e desamar quanto ligar e desligar a televisão, o microondas ou o computador, apenas acionando com a ponta do dedo (ou quem sabe com um controle remoto de ondas cerebrais) o botão "on-off"?! Será que as pessoas hoje já nascem com um "chipzinho" pré-programado para ligar ou desligar automaticamente o seu "amor" pelas outras, de acordo com a conveniência do usuário?!
Bem... parece que estou ficando completamente obsoleta em matéria de amor, com o meu velho coração antiquado fadado a virar sucata se não passar urgentemente por um upgrade! Se duvidar, não demora muito ele poderá se tornar objeto de estudo antropológico; talvez uma relíquia arqueológica mais rara e incomum de se encontrar que um fóssil de "homus erectus"; ou quem sabe eu entre pra história da humanidade como a primeira contemporânea viva de Matusalém em pleno século XXI!
Seja como for, definitivamente eu não me enquadro nessa concepção moderna e descolada do amor... Sim, eu sou careta mesmo!!! Eu sou cafona!!! Eu sou do tempo do amor incondicional!!! Eu sou incorrigivelmente romântica; irremediavelmente passional!!! Eu acredito no amor novelesco dos finais felizes; eu acredito em "felizes pra sempre", ainda que não seja sempre; eu acredito em príncipes, ainda que não sejam encantados e virem sapos vez por outra; eu acredito no amor Shakspeareano, que "só é amor se não se dobra a obstáculos e não se curva a vicissitudes... que sofre tempestades sem nunca se abalar"; eu acredito em amor infinito, ainda que não seja imortal, mas "que seja eterno enquanto dure"... É esse o AMOR que eu quero pra mim!!!
Eu quero um amor que não esmaeça diante da minha primeira crise de TPM... Eu quero alguém que me ame apesar dos meus inúmeros defeitos, e que não os considere mais importantes e significativos que as minhas qualidades... alguém que não me veja como um monstro horrendo só porque eu tive um ataque de nervos ao ver, pela enésima vez, a tampa do vaso levantada e a toalha molhada sobre a cama... que não use o que eu disser contra mim só pra deliberadamente me magoar; alguém que pense em mim e sinta saudades todas as vezes que vir borboletas dançando ao seu redor... que não desista de mim quando perceber que eu mesma estou desistindo... que me ajude a manter vivos os meus sonhos e lute junto comigo por eles; alguém que segure firmemente a minha mão quando eu fraquejar e que não me impeça de cair, mas que seja o primeiro a me ajudar a levantar e bater a poeira... que suporte a minha teimosia e que respeite a minha opinião mesmo que não concorde com o que eu penso... alguém que me permita seguir os meus instintos e até me acompanhe, mesmo sabendo que vou me ferir, e que depois sopre os meus arranhões ao invés de cutucá-los...
Eu quero alguém que não me repudie e se desapaixone quando descobrir que eu sou tão somente uma mulher, humana e falhível, e que nem sempre vou estar linda, perfumada, sorridente e adorável como no nosso primeiro encontro; alguém que seja paciente com as minhas inseguranças e fragilidades... que compreenda, mesmo sem entender nada, os surtos infantilóides e os súbitos ataques de imaturidade da "mulher madura e vivida" que sou... que não se canse de mim quando eu chegar aos 40 e resolva me trocar por duas de 20; alguém que "me ame quando eu menos merecer, porque é quando eu mais precisarei"... que ainda saiba me amar quando as marcas do tempo e da nossa história engilharem o meu rosto e cada fio do meu cabelo se tingir de neve... que não me diga "eu te amo" o tempo todo, mas que seja capaz de me escrever sempre as mais ridículas cartas de amor(http://recantodasletras.uol.com.br/cartas/334623)
e que continue querendo partilhar comigo a sua vida depois que os arrebatamentos da paixão se esvaírem... É esse o AMOR que eu quero pra mim; é nesse AMOR que eu acredito, porque eu já ouvi "eu-te-amos" demais!!!

"O amor é uma flor delicada, mas é preciso ter coragem de ir colhê-la à beira de um precipício." (Sthendal)
"Amar é a grande desilusão de tudo mais.[...]
É a desilusão do que se pensava que era amor." (Clarice Lispector)

Eu só queria que você cuidasse
Um pouco mais de mim como eu cuido de você
Cuidar é simplesmente olhar
Pro mundo que você não vê
Pra medir o amor não existe cálculo
Um mais um pode não ser dois
Futuro é linda paisagem
Desejo que não é sonho é mera ilusão


Se não sabe
Se afaste
De mim
Se ainda cabe
Me abrace
Enfim

Só ligue se tiver vontade
Só venha se quiser me ver
Mentir é pura vaidade
De quem precisa se esconder

Se não sabe
Se afaste
De mim
Se ainda cabe
Me abrace
Enfim

Será que eu vejo apenas o que você não vê?
Eu não entendo como você não consegue perceber?
Que eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei

O sangue é o rio que irriga a carne
E a alma é a terra de um morro
É luz antiga o fim da tarde
Essa saudade sem socorro

Se não sabe
Se afaste
De mim
Mas antes que seja tarde
Nos salve
Do fim

(Luz Antiga - de Nando Reis, por Ana Cañas)

2 comentários:

  1. Engraçado... Desde o começo do texto, envolvida na leitura, o poema de Fernando Pessoa não saia da minha cabeça... Eu lendo e pensando: "Vou comentar e falar que já dizia um grande poeta... 'cartas de amor são ridículas... não seriam cartas de amor se não fossem ridículas'". E qual não foi minha surpresa, logo abaixo encontro a citação dele...
    Esse texto vem muito a calhar nesse momento da minha vida... Em um momento que tanto me pergunto o porque de dizerem "Eu te amo" aos quatro ventos sem nem terem a certeza de tal sentimento...
    Que me pergunto se esqueceram de se preocupar com o sentimento dos outros... Porque, minha cara, você não é a única antiquada procurando esse tipo de amor, e se você for espécie rara, desejo de qualquer colecionador de figurinhas antigas, então eu também sou!
    E me pergunto, onde foram parar as pessoas que, se não amam como nós, pelo menos se preocupam com nossos sentimentos, ao menos têm a capacidade de esclarecer e de não enganar ninguém!
    Ah sei lá... Se eu fiquei velha antes do tempo, que me coloquem em um museu! Só espero que lá existam outras espécies como eu!

    Texto maravilhoso!
    =***

    ResponderExcluir
  2. Texto perfeito!!! Sincero, autêntico.. Muito lindo!!!
    É por isso que admiro e amo_te!
    Quando eu crescer, quero ser igual a você. ;)
    Beijos,

    Jé*

    ResponderExcluir