"A vida é uma farsa que todos devem representar. A nossa pálida razão esconde-nos o infinito..." (Rimbaud)
"Vida é o drama criativo da existência." (Arthur da Távola)
“A vida, afinal, talvez seja uma encenação do desespero”. (Alberto Raposo Pidwell Tavares)




sexta-feira, 18 de junho de 2010

A ilha de cada um


Na ilha por vezes habitada
José Saramago

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente
e entra em nós uma grande serenidade,
e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra
e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável:
o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres,
com a paz e o sorriso de quem se reconhece
e viajou à roda do mundo infatigável,
porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

(in PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Caminhos desencontrados

"Tenho saudades do futuro
De todos os sonhos não concretizados
De todos os planos fadados
Tenho saudades de mim

Ainda que com essa dor não morra
Com ela ei de sofrer ad infinictum
Não nossas, mas suas,
Estradas tece agora

Pois nos caminhos desencontrados
Ficamos esperando o inexorável
Ficamos prostrados. Apenas ficamos
A esperar a hora do barqueiro."


"Teço agora não nossas
mas minha estrada
turva por uma neblina
incerta que faz do meu
futuro certo sem o seu"


Miedo
(Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis)

Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienen miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tienen miedo de subir y miedo de bajar
Tienen miedo de la noche y miedo del azul
Tienen miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da

El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor

Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá

Tenho medo de acender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar

Tienen miedo de reir y miedo de llorar
Tienen miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienen miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor

El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar

Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão

Medo de fechar a cara
Medo de encarar
Medo de calar a boca
Medo de escutar
Medo de passar a perna
Medo de cair
Medo de fazer de conta
Medo de dormir
Medo de se arrepender
Medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez

Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Medo... que dá medo do medo que dá

Uma vez eu te disse: "Eu ainda tenho medo, mas não tenho mais medo de ter medo". E agora?! Agora eu tenho tanto medo de perder outra vez essa segurança medonha que o meu medo me dá...

terça-feira, 1 de junho de 2010

ಇಎಇಎಇಎ "E hoje em dia, como é que se diz: Eu te amo?!" ಇಎಇಎಇಎ


E aqui estou eu de novo, questionando a inexorável decadência dos meus velhos valores e conceitos inefavelmente arcaicos, retrógrados, ultrapassados e insanos (tanto quanto ou ainda mais que eu)... tentando encontrar respostas capazes de me fazer compreender o ininteligível, o inexplicável, o intangível... Será que estou ficando velha?!
Que me perdoem os "grandes filósofos contemporâneos" e os "sofisticados poetas românticos da modernidade", mas... eu tenho que perguntar: o que diabos, afinal, é o AMOR?!
"Quem inventou o amor, me explica, por favor"! "E hoje em dia, como é que se diz: 'Eu te amo'!"?! Como é que as pessoas conseguem se apaixonar e se desapaixonar com tamanha facilidade, a ponto de declararem o seu "amor eterno" cada dia a alguém diferente?! Como é possível que o grande amor da sua vida, aquela pessoa que você diz ser tudo com o que sempre sonhou pode, de uma hora pra outra, se tornar tão desprezível e indiferente pra você, como se jamais tivesse feito parte da sua história?!
Eu sinceramente já não consigo entender esse "fenômeno" epidêmico e mutacional que acomete o mundo hoje em dia e é tachado pelo sutil codinome de "amor"... AMOR?!
Não é que eu queira uma explicação racional e lógica, nem um teorema metafísico ou um compêndio de leis orgânicas; um tratado de fenômenos físicos, uma fórmula química ou uma equação matemática com resultado exato; nem mesmo um conceito metalinguístico morfo-etimológico, sequer uma teoria epistemológica, tão pouco uma definição semântica perfeita. Não é nada disso! Muito pelo contrário, o que eu falo é justamente do irracional e desmedido sentimento que de tão sui generis jamais encontrou definição plausível nem mesmo na retórica dos mais nobres poetas... eu falo mesmo é do incontrolável, do indescritível, do imensurável... o que eu quero mesmo entender é onde foram parar as velhas e boas sensações de borboletas no estômago, mãos geladas e pernas bambas... O que foi feito do brilho nos olhos, do arrepio na espinha e do nó na garganta que embaralhavam a fala e calavam em nós esse "eu te amo" que hoje sai tão fácil?! E se o amor flui assim com tanta rapidez, por que então será que os relacionamentos duram cada vez menos?! Por que as pessoas estão cada vez mais frias e egoístas se têm tanta habilidade pra amar?! É impressão minha, ou o amor tornou-se mesmo tão fútil, vulgar e banalizado que dispensa arroubos poéticos e pieguices românticas?! Parece tão fácil dizer "eu te amo" hoje! Parece tão inexpressivo e vazio quanto um desses jargões usados de praxe em determinadas situações cotidianas, ditos aleatoriamente sem qualquer juízo de valor... tão automático e mecânico quanto dizer "alô" ao telefone!
Será possível que o advento da tecnologia chegou também ao coração humano e o modernizou a ponto de tornar tão simples e natural amar e desamar quanto ligar e desligar a televisão, o microondas ou o computador, apenas acionando com a ponta do dedo (ou quem sabe com um controle remoto de ondas cerebrais) o botão "on-off"?! Será que as pessoas hoje já nascem com um "chipzinho" pré-programado para ligar ou desligar automaticamente o seu "amor" pelas outras, de acordo com a conveniência do usuário?!
Bem... parece que estou ficando completamente obsoleta em matéria de amor, com o meu velho coração antiquado fadado a virar sucata se não passar urgentemente por um upgrade! Se duvidar, não demora muito ele poderá se tornar objeto de estudo antropológico; talvez uma relíquia arqueológica mais rara e incomum de se encontrar que um fóssil de "homus erectus"; ou quem sabe eu entre pra história da humanidade como a primeira contemporânea viva de Matusalém em pleno século XXI!
Seja como for, definitivamente eu não me enquadro nessa concepção moderna e descolada do amor... Sim, eu sou careta mesmo!!! Eu sou cafona!!! Eu sou do tempo do amor incondicional!!! Eu sou incorrigivelmente romântica; irremediavelmente passional!!! Eu acredito no amor novelesco dos finais felizes; eu acredito em "felizes pra sempre", ainda que não seja sempre; eu acredito em príncipes, ainda que não sejam encantados e virem sapos vez por outra; eu acredito no amor Shakspeareano, que "só é amor se não se dobra a obstáculos e não se curva a vicissitudes... que sofre tempestades sem nunca se abalar"; eu acredito em amor infinito, ainda que não seja imortal, mas "que seja eterno enquanto dure"... É esse o AMOR que eu quero pra mim!!!
Eu quero um amor que não esmaeça diante da minha primeira crise de TPM... Eu quero alguém que me ame apesar dos meus inúmeros defeitos, e que não os considere mais importantes e significativos que as minhas qualidades... alguém que não me veja como um monstro horrendo só porque eu tive um ataque de nervos ao ver, pela enésima vez, a tampa do vaso levantada e a toalha molhada sobre a cama... que não use o que eu disser contra mim só pra deliberadamente me magoar; alguém que pense em mim e sinta saudades todas as vezes que vir borboletas dançando ao seu redor... que não desista de mim quando perceber que eu mesma estou desistindo... que me ajude a manter vivos os meus sonhos e lute junto comigo por eles; alguém que segure firmemente a minha mão quando eu fraquejar e que não me impeça de cair, mas que seja o primeiro a me ajudar a levantar e bater a poeira... que suporte a minha teimosia e que respeite a minha opinião mesmo que não concorde com o que eu penso... alguém que me permita seguir os meus instintos e até me acompanhe, mesmo sabendo que vou me ferir, e que depois sopre os meus arranhões ao invés de cutucá-los...
Eu quero alguém que não me repudie e se desapaixone quando descobrir que eu sou tão somente uma mulher, humana e falhível, e que nem sempre vou estar linda, perfumada, sorridente e adorável como no nosso primeiro encontro; alguém que seja paciente com as minhas inseguranças e fragilidades... que compreenda, mesmo sem entender nada, os surtos infantilóides e os súbitos ataques de imaturidade da "mulher madura e vivida" que sou... que não se canse de mim quando eu chegar aos 40 e resolva me trocar por duas de 20; alguém que "me ame quando eu menos merecer, porque é quando eu mais precisarei"... que ainda saiba me amar quando as marcas do tempo e da nossa história engilharem o meu rosto e cada fio do meu cabelo se tingir de neve... que não me diga "eu te amo" o tempo todo, mas que seja capaz de me escrever sempre as mais ridículas cartas de amor(http://recantodasletras.uol.com.br/cartas/334623)
e que continue querendo partilhar comigo a sua vida depois que os arrebatamentos da paixão se esvaírem... É esse o AMOR que eu quero pra mim; é nesse AMOR que eu acredito, porque eu já ouvi "eu-te-amos" demais!!!

"O amor é uma flor delicada, mas é preciso ter coragem de ir colhê-la à beira de um precipício." (Sthendal)
"Amar é a grande desilusão de tudo mais.[...]
É a desilusão do que se pensava que era amor." (Clarice Lispector)

Eu só queria que você cuidasse
Um pouco mais de mim como eu cuido de você
Cuidar é simplesmente olhar
Pro mundo que você não vê
Pra medir o amor não existe cálculo
Um mais um pode não ser dois
Futuro é linda paisagem
Desejo que não é sonho é mera ilusão


Se não sabe
Se afaste
De mim
Se ainda cabe
Me abrace
Enfim

Só ligue se tiver vontade
Só venha se quiser me ver
Mentir é pura vaidade
De quem precisa se esconder

Se não sabe
Se afaste
De mim
Se ainda cabe
Me abrace
Enfim

Será que eu vejo apenas o que você não vê?
Eu não entendo como você não consegue perceber?
Que eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei mais
Eu não sei

O sangue é o rio que irriga a carne
E a alma é a terra de um morro
É luz antiga o fim da tarde
Essa saudade sem socorro

Se não sabe
Se afaste
De mim
Mas antes que seja tarde
Nos salve
Do fim

(Luz Antiga - de Nando Reis, por Ana Cañas)