"A vida é uma farsa que todos devem representar. A nossa pálida razão esconde-nos o infinito..." (Rimbaud)
"Vida é o drama criativo da existência." (Arthur da Távola)
“A vida, afinal, talvez seja uma encenação do desespero”. (Alberto Raposo Pidwell Tavares)




domingo, 31 de agosto de 2008

"Pérolas aos porcos..."


Incrível como o ser humano passa a vida inteira perseguindo a felicidade, numa busca tão desenfreada por algo que, na sua concepção medíocre e tacanha, parece-lhe tão utópico e surreal que muitas vezes não é capaz de perceber que já a encontrou, simplesmente porque na sua visão estreita e pobre, preconceituosa e limitada, ele crê na felicidade como algo inatingível... intangível...

E quando ela vem, ele não está preparado para experimentar aquilo a que tanto perseguiu, porque não lhe parece possível que a tão sonhada FELICIDADE possa ser tão subliminarmente simples... não lhe parece possível que ela seja mesmo tão fácil de conquistar... de ter... de manter... Talvez porque, no fundo, ele ache mesmo que não merecia encontrá-la tão facilmente, ainda mais se esta lhe vem em forma de "presente", no mais amplo e perfeito sentido da palavra...

Perólas jogadas aos porcos... comigo não foi diferente... quando desisti de encontrar a felicidade, ganhei-a de presente... Um presente inesperado, dado de bom grado numa noite festiva... uma doação coletiva... um presente já muito antes anunciado, tão perfeito que até parecia ter sido encomendado... exclusivamente pra mim... Só que este "presente", delicado e sensível, tinha vontades próprias... Mas eu, sem perceber que poderia perdê-lo mesmo contra a minha vontade, esqueci de lembrar que o meu "presente" era autônomo... e mesmo que eu jamais pensasse em devolvê-lo ou, de alguma forma, dele me desfazer, não entendi que ele próprio é que poderia não mais me querer... e assim foi... o meu "presente" se foi...

Eu o recebi desembrulhado, mas tentei inesgotavelmente abri-lo, acreditando talvez que toda aquela beleza que se via por fora, era o invólucro de algo que eu precisava descobrir, abrir para conhecê-lo por dentro... mas quanto mais eu "descascava", mais maciça parecia ser a sua consistência e as minhas tentativas frustradas de abrir e ver o que já estava exposto, só serviram para ferir e danificar a beleza do "meu presente"... ao mesmo tempo em que eu, já também com as mãos maceradas, doloridas das minhas insanas tentativas, não conseguia mais os danos reparar... não conseguia mais o "meu presente" entre elas segurar... e o vi se esvair por entre os meus dedos que sangravam, sem poder fazer mais nada para evitar...

Ele se foi, julgando que eu não sou mais capaz de cuidá-lo... que não tenho mais as qualidades de antes para merecê-lo, que já não possuo o refúgio onde costumava guardá-lo... As pessoas mudam de atitude, sim! é verdade! Mas não mudam a sua essência... aquela que lhes faz ser quem e o que são... aquela que mostram sem medo ou restição, para quem é capaz de apenas com o olhar lhes desnudar a alma e o coração... Eu continuo tendo a mesma essência... a mesma que você encontrou quando nossos olhares se cruzaram pela primeira vez...
"Olhos negros, olhos tristes
Minha santa perdição
Foi nas trevas destes olhos
que perdi meu coração

Agora sou escravo,
Escravo por bem querer
Da tristeza destes olhos
Onde um dia distraído
Meu coração eu fui perder..."


Eu errei... errei tentando abrir o que já estava desembalado... errei tentando ver o que não estava escondido... errei mudando de atitude... Autodefesa?! Autoflagelo?! Autodesmerecimento?! Autoestima destruída?! Não sei... mas sei que continuo inteira em essência... esta eu não perdi... e aprendi!
Afinal, não é com os erros que se aprende?! Não foi você que assim me ensinou?! Não foi assim também com você?! E não parece lógico que alguém que aprendeu, evoluiu, cresceu à custa dos seus próprios erros, do seu passado que, glorioso ou não, não o envergonha mas sim o enobrece, deveria ser o primeiro a acreditar que os outros também sejam capazes do mesmo feito?! E por que não?!

Mas... se é preciso usar o velho código de Hamurabi - olho por olho, dente por dente - para pagar por esses erros, que assim seja... Se é a sua incredulidade o preço que devo pagar pela minha, que assim seja...
Por muito tempo você "segurou no osso do peito", de peito aberto e desarmado as feridas que os meus chifres afiados de caprina selvagem e indomável te causaram... Se agora é a minha vez de segurar as tuas flechas pontiagudas, aqui estou eu, de peito aberto, lança e escudo derretidos pelo teu fogo que a minha terra não mais atinge, não mais apaga... só não as lance alto demais, pois eu já desci do topo da montanha...

"O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou...
O que você está fazendo?
Milhões de vasos sem nenhuma flor

O que você está fazendo?
Um relicário imenso desse amor...
[...]
Sobe a lua, porque longe vai?
Corre o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por essa noite
Porque está amanhecendo?
Peço o contrário, ver o sol se pôr
Porque está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios quando você se for

Quem nesse mundo faz o que há durar
Pura semente, dura o futuro amor
Eu sou a chuva prá você secar
Pelo zunido das suas asas você me falou

O que você está dizendo?
Milhões de frases sem nenhuma cor
O que você está dizendo?
Um relicário imenso desse amor

O que você está dizendo?
O que você está fazendo?
Porque que está fazendo assim?
Está fazendo assim!"

(Trechos de "Relicário", Nando Reis - interpretada por Cássia Eller)

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